Desprendimento e exterior – Projeções telepáticas
VI
Retornar
Chegamos agora a uma ordem de manifestações que se produzem à distância sem o concurso dos órgãos, tanto na vigília quanto no sono. Esses fenômenos, conhecidos pelo termo um tanto genérico e vago de telepatia, não são, dissemos, atos doentios e mórbidos da personalidade, como certos observadores o têm acreditado, mas, pelo contrário, casos parciais, rebentos isolados da vida superior no seio da humanidade. Deve-se ver neles o primeiro aparecimento dos poderes futuros com que o homem terrestre será dotado. O exame desses fatos levar-nos-á a reconhecer que o “eu” exteriorizado durante a vida e o “eu” que sobrevive após a morte são idênticos e representam dois aspectos sucessivos da existência de um único e mesmo ser.
A telepatia, ou projeção à distância do pensamento e mesmo da imagem do manifestante, faz-nos subir mais um degrau na escala da vida psíquica. Aqui, achamo-nos na presença de um ato poderoso da vontade. A alma comunica-se a si própria, comunicando a sua vibração, o que demonstra à evidência que a alma não é um composto, uma resultante nem um agregado de forças, mas sim, pelo contrário, o centro da vida e da vontade, centro dinâmico que governa o organismo e dirige-lhe as funções. As manifestações telepáticas não comportam limites. O poder e a independência da alma nelas se revelam soberanamente, porque o corpo nenhum papel representa no fenômeno. É mais um obstáculo do que um auxílio. Produzem-se, por esse motivo, ainda com maior intensidade, depois da morte, como a seu tempo veremos.
“A autoprojeção, diz Myers, * é o único ato definido que o homem parece capaz de executar, tanto antes como depois da morte corporal.”
* - F. Myers - La Personnalité Humaine, pág. 250.
A comunicação telepática a distância foi estabelecida por experiências que se tornaram clássicas. Podemos citar as do Sr. Pierre Janet, hoje professor da Sorbonne, e do Dr. Gilbert, do Havre, no seu sujet Léonie que eles, de noite, a um quilômetro de distância, fazem vir ao seu encontro por meio de chamamentos sugestivos. *
* - Ver Bulletin de la Société de Psychologie Physiologique, I, pág. 24.
Desde então as experiências se foram multiplicando com êxito constante. Apontemos apenas vários casos de transmissão de pensamento a grande distância.
Os Annales des Sciences Psychiques, Paris, 1891, pág. 26, relatam uma experiência de transmissão mental de imagem, feita a 171 quilômetros de distância, de Paris a Ribemont (Aisne). Os operadores eram os Senhores Debaux e Léon Hennique.
O Daily Express, de 17 de julho de 1903, refere notáveis ensaios de permuta de pensamentos, que se efetuaram nos escritórios da Review of Reviews, em Norfolk Street, Strand, Londres. Essas experiências eram fiscalizadas por uma comissão de seis membros, da qual faziam parte o Dr. Wallace, de Harley Street, 39, e o eminente publicista W. Stead. As mensagens telepáticas foram enviadas pelo Sr. Richardson, de Londres, e recebidas pelo Sr. Franck, de Nottingham, a uma distância de 110 milhas inglesas.
Finalmente, o Banner of Light, de Boston, no seu número de 12 de agosto de 1905, informa-nos que uma americana, a Sra. Burton Johnson, de Des Moines, conquistou recentemente o recorde nesse gênero de transmissão. Sentada no seu quarto do Hotel Vitória, recebeu quatro vezes mensagens telepáticas de Palo Alto (Califórnia), que fica a distância de três mil milhas. Trata-se, diz o jornal, de fatos devidamente comprovados, rigorosamente fiscalizados e que não deixam subsistir dúvida alguma.
A transmissão dos pensamentos e das imagens opera-se, dissemos, indistintamente, tanto durante o sono, como no estado de vigília. Já expusemos vários casos; serão encontrados outros, em grande número, nas obras especiais. Mencionemos, por exemplo, o de um médico chamado telepaticamente durante a noite e o de Agnés Paquet, citados por Myers. * Acrescentemos o caso da Sra. Elgee, que, estando no Cairo, teve a visão de um amigo que, naquele mesmo momento, em Inglaterra, pensava nela ardentemente. **
* - Phantasms of the living, I, 267. Proceedings, VII, págs. 32 e 35.
** - Idem, II, 239.
“Nos últimos dias da sua vida, minha mãe via-me muitas vezes junto de si, em Tours, conquanto eu andasse então muito longe dali, em viagem pelo oriente da França.”
Todos esses fenômenos podem ser explicados pela projeção da vontade do manifestante, que evoca no percipiente a própria imagem do agente.
Nos casos a seguir, veremos a personalidade psíquica, a alma, destacar-se completamente do invólucro corpóreo e aparecer na sua forma de fantasma. A esse respeito são inúmeros os testemunhos.
Relatamos em outra obra * os resultados dos inquéritos da Sociedade de Pesquisas Psíquicas, de Londres. Permitiram eles que se recolhessem cerca de mil casos de aparições, à distância, de pessoas vivas, apoiados por atestados de alto valor. Os testemunhos foram consignados em muitos volumes, sob a forma de autos. Foram assinados por homens de ciência pertencentes a academias ou diversos corpos científicos. Entre esses nomes figuram os de Gladstone, Balfour etc.
* - Ver Depois da Morte, 3ª parte; e No Invisível, cap. XI.
Atribui-se, geralmente, a esses fenômenos, caráter subjetivo; mas essa opinião não resiste a um exame atento. Certas aparições foram vistas sucessivamente, por várias pessoas, nos diferentes andares de uma casa; outras impressionaram animais, como cães, cavalos etc. Em certos casos, os fantasmas atuam sobre a matéria, abrem portas, deslocam objetos, deixam indícios no pó que cobre os móveis; ouvem-se vozes, que dão informações a respeito de fatos ignorados, sendo mais tarde essas informações reconhecidas como exatas.
No número desses casos devemos incluir o da Senhora Hawkins, cujo fantasma foi visto simultaneamente por quatro pessoas e do mesmo modo; * as visões de Mac-Alpine, de Carrol, Stevenson; ** a de um marinheiro que, estando a velar junto de um camarada moribundo, viu aparecer uma família inteira de fantasmas, trajando luto; *** o caso de Clerk em que o irmão moribundo apareceu a uma negra que nunca o conhecera. ****
* - Phantasms of the Living, II, 18.
** - Proceedings, X. 332, Phantasms of the Living, II, 96 e 100.
*** - Phantasms of the Living, II, 144.
**** - Phantasms of the Living, II, 61.
Na França, foram recolhidos numerosos fatos da mesma natureza e publicados pelos Annales des Sciences Psychiques, do Dr. Dariex e do Prof. Charles Richet e por Camille Flammarion, na sua obra O Desconhecido e os Problemas Psíquicos.
Vamos citar um caso recentíssimo. Os grandes jornais de Londres, o Daily Express, o Evening News, o Daily News, de 17 de maio de 1905, o Umpire, de 14 de maio etc., narram a aparição, em plena sessão do Parlamento, na Câmara dos Comuns, do fantasma de um deputado, o Major Sir Carne Raschse, retido nesse momento em casa por causa de uma indisposição. Três outros deputados atestam a realidade da manifestação. Sir Gilbert Parker exprime-se da seguinte maneira: *
* - The Umpire de 14 de maio de 1905, reprodução feita pelos Annales des Sciences Psychiques, julho de 1905.
“Eu queria tomar parte no debate, mas se esqueceram de chamar-me. Quando voltava para o meu lugar, dei com os olhos em Sir Carne Raschse sentado perto do seu lugar do costume. Como sabia que ele tinha estado doente, fiz-lhe um gesto amigável, dizendo-lhe: “Estimo que esteja melhor”; mas ele não deu resposta alguma, o que me causou admiração. A fisionomia do meu amigo estava muito pálida. Ele estava sentado, quieto, com a fronte encostada à mão; a expressão do seu rosto era impassível e dura. Pensei um instante no que havia de fazer. Quando me voltei para Sir Carne, havia ele desaparecido. Imediatamente fui à sua procura, esperando encontrá-lo no vestíbulo; mas Raschse não estava lá; ninguém aí o vira...
O próprio Sir Carne não duvidava de ter realmente aparecido na Câmara sob a forma do seu duplo, por causa da preocupação em que estava de dar ao Governo o apoio do seu voto.”
No “Daily News” de 17 de maio de 1905, Sir Arthur Hayter junta o seu testemunho ao de Sir Gilbert Parker. Diz que ele também não só viu Sir Carne Raschse, como chamou a atenção de Sir Henry Campbell Bannerman para a sua presença na Câmara.
A exteriorização, ou desdobramento, do ser humano pode ser provocada pela ação magnética. Fizeram-se experiências que tornam impossível a dúvida. O paciente, adormecido, desdobra-se e vai produzir, a distância, atos materiais.
Citamos o caso do magnetizador Lewis. * Em outras circunstâncias semelhantes foi a aparição fotografada. Aksakof, na sua obra Animismo e Espiritismo, cita três desses casos; outros fatos análogos foram observados pelo Capitão Volpi e por W. Stead, diretor do Borderland.
* - Revue Scientifique du Spiritisme, fevereiro de 1905, pág. 457.
No caso Istrati e Hasdeu – este último senador da Romenia – a forma desdobrada do professor Istrati impressionou placas fotográficas, à noite, a distância de 50 quilômetros do lugar onde estava o seu corpo adormecido. Assim, a objetividade da alma, com a sua forma fluídica manifestando-se em pontos afastados daquele onde o corpo se acha em descanso, está demonstrada de maneira positiva e não pode ser contestada seriamente.
Ademais, basta consultar a História para reconhecer-se que o passado está cheio de fatos desse gênero. Os fenômenos de bilocação dos vivos são frequentes nos anais religiosos. O passado não é menos rico em narrações e testemunhos a respeito dos Espíritos dos mortos e essa abundância de afirmações, essa persistência através dos séculos é bem própria para indicar que, no meio das superstições e dos erros, alguma coisa de realidade deve existir.
Com efeito, a comunicação e a manifestação a distância entre Espíritos encarnados conduzem, lógica e necessariamente, à comunicação possível entre Espíritos encarnados e desencarnados. A esse respeito, assim se expressa Myers: *
* - F. Myers - La Personnalité Humaine, pág. 25.
“Nós podemos impressionar-nos reciprocamente à distância e, se os nossos Espíritos encarnados podem assim atuar, de maneira independente do organismo carnal, há nisto uma presunção favorável à existência de outros Espíritos independentes dos corpos e suscetíveis de nos impressionarem do mesmo modo.”
Os habitantes do espaço têm facultado muitas provas experimentais da lei da comunhão universal na medida fraca e estreita em que na Terra ela pode ser verificada com rigor.
Devemos apontar, entre outros fatos, a experiência da Sociedade de Pesquisas de Londres, à qual o mundo sábio é devedor de tantas descobertas no domínio psíquico. Estabeleceu ela um sistema de permutas de pensamentos entre os Estados Unidos e a Inglaterra, simplesmente com o auxílio de dois médiuns em transe, que serviram para transmitir uma mensagem de um Espírito a outro Espírito. A mensagem consistia em quatro palavras latinas e o latim era língua que os médiuns não conheciam.
Essa experiência foi feita sob a vigilância e a fiscalização do Prof. Hyslop, da Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque, e tomaram-se todas as precauções necessárias para serem evitadas as fraudes. *
* - Pode-se ler a narração desse fato na Daily Tribune, de Chicago, 31 de outubro de 1904, e nos Proceedings da S.P.R.
Quando se estuda, nos seus diversos aspectos, o fenômeno da telepatia, as vistas gerais que daí resultam aumentam pouco a pouco e somos levados a reconhecer nele um processo de comunicação de alcance incalculável. A princípio, esse fenômeno nos foi apresentado como uma simples transmissão, quase mecânica, de pensamentos e imagens entre dois cérebros; mas o fenômeno vai revestir as formas mais variadas e impressionantes. Depois dos pensamentos vêm as projeções, a distância, dos fantasmas dos vivos, as dos moribundos e, finalmente, sem que nenhuma solução de continuidade interrompa o encadeamento dos fatos, as aparições dos mortos, quando o vidente, na maior parte dos casos, nenhum conhecimento tem do falecimento das pessoas que aparecem. Há aí uma série contínua de manifestações, que se vão graduando nos seus efeitos e concorrem para demonstrar a indestrutibilidade da alma.
A ação telepática não conhece limites; suprime todos os obstáculos e liga os vivos da Terra aos vivos do espaço, o mundo visível aos mundos invisíveis, o homem a Deus; une-os da maneira mais estreita, mais íntima.
Os meios de transmissão que ela nos revela constituem a base das relações sociais entre os Espíritos, o seu modo usual de permutarem as ideias e as sensações. O fenômeno que na Terra se chama telepatia não é outra coisa senão o processo de comunicação entre todos os seres pensantes na vida superior e a oração é uma das suas formas mais poderosas, uma das suas aplicações mais elevadas e mais puras. A telepatia é a manifestação de uma lei universal e eterna.
Todos os seres, todos os corpos permutam vibrações. Os astros exercem influência através das imensidades siderais; do mesmo modo, as almas, que são sistemas de forças e focos de pensamentos, impressionam-se reciprocamente e podem comunicar-se a todas as distâncias. * A atração estende-se às almas como aos astros; atrai-os para um Centro comum, eterno e divino. Uma dupla relação se estabelece. Suas aspirações sobem para ele na forma de apelos e orações. E, sob a forma de graças e inspirações, descem os socorros.
* - Sir William Crookes, num discurso na British Association em 1898, sobre a lei das vibrações, declara que ela é a lei natural que rege “todas as comunicações psíquicas”.
Os grandes poetas, escritores, artistas, os sábios e os puros conhecem esses impulsos, essas inspirações súbitas, esses clarões de gênio que iluminam o cérebro como relâmpago e parecem provir de um mundo superior, cuja grandeza e inebriante beleza refletem, ou então são visões da alma. Num arrojo extático ela vê entreabrir-se esse mundo inacessível, apercebe-lhe as radiações, as essências, as luzes.
Tudo isso demonstra-nos que a alma é suscetível de ser impressionada por meios diferentes dos órgãos, que ela pode recolher conhecimentos que excedem as faculdades humanas e provêm de uma causa espiritual. Graças a esses clarões, a esses relâmpagos, ela entrevê, na vibração universal, o passado e o futuro; percebe a gênese das formas, formas de arte e pensamento, de beleza e santidade, da qual perenemente derivam formas novas, numa variedade inesgotável como o manancial de onde emanam.
Consideremos essas coisas sob um ponto de vista mais direto; vejamos as suas consequências no meio terrestre. Já pelos fatos telepáticos se acentua a evolução humana. O homem conquista novos poderes psíquicos que lhe permitirão, um dia, manifestar o seu pensamento a todas as distâncias, sem intermediário material. Esse progresso constitui um dos mais magníficos estádios da humanidade para uma vida mais intensa e livre. Poderá ser o prelúdio da maior revolução moral que se tenha realizado em nosso Globo. Por esse modo seria realmente vencido, ou consideravelmente atenuado, o mal.
Quando o homem já não tiver segredos, quando se lhe puder ler no cérebro os pensamentos, ele não mais se atreverá a pensar no mal e, por conseguinte, a fazer o mal. Assim, a alma humana elevar-se-á sempre, subindo pela escala dos desenvolvimentos infinitos. Tempos virão em que a inteligência há de predominar cada vez mais, desembaraçando-se da crisálida carnal, estendendo, afirmando o seu domínio sobre a matéria, criando com os seus esforços meios novos e mais amplos de percepção e manifestação. Apurando-se, por sua vez, os sentidos, verão eles os ampliarem-se o círculo de ação. O cérebro humano tornar-se-á um templo misterioso, de vastas e profundas naves, cheias de harmonias, vozes e perfumes, instrumento admirável ao serviço de um Espírito que se tornou mais sutil e poderoso.
Ao mesmo tempo em que a personalidade humana, alma e organismo, a pátria terrestre se transformará. Para que se opere a evolução do meio é preciso que primeiramente se efetue a evolução do indivíduo. É o homem que faz a humanidade e esta, por sua ação constante, transforma a morada daquele. Há equilíbrio absoluto e relação íntima entre o moral e o físico. O pensamento e a vontade são a ferramenta, por excelência, com a qual tudo podemos transformar em nós e à nossa volta.
Tenhamos somente pensamentos elevados e puros; aspiremos a tudo o que é grande, nobre e belo. Pouco a pouco sentiremos regenerar-se o nosso próprio ser e, com ele, do mesmo modo, todas as camadas sociais, o globo e a humanidade! E, em nossa ascensão, chegaremos a compreender e praticar melhor a comunhão universal que une todos os seres. Inconsciente nos estados inferiores da existência, essa comunhão torna-se cada vez mais consciente, à medida que o ser se eleva e percorre os graus inumeráveis da evolução, para chegar, um dia, ao estado de espiritualidade em que cada alma, irradiando o brilho das potências adquiridas nos impulsos do seu amor, vive da vida de todos e a todos se sente unida na obra eterna e infinita.
Retornar